domingo, 23 de outubro de 2016

A prisão que salvou a vida de Bruno. APAC. No viciado e ultrajante sistema carcerário brasileiro, a melhor chance para o ex-goleiro. Não na retomada da carreira. Mas na convivência da sociedade…

1reproducao33 A prisão que salvou a vida de Bruno. APAC. No viciado e ultrajante sistema carcerário brasileiro, a melhor chance para o ex goleiro. Não na retomada da carreira. Mas na convivência da sociedade...


Bruno Fernandes das Dores de Souza é um dos 622.202 presidiários, de acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. A quarta maior população de presos no mundo, só atrás dos Estados Unidos, China e Rússia. Faltam mais 250 mil vagas no sistema penitenciária brasileiro.
A ministra Carmen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, fez ontem uma visita surpresa a três penitenciárias do Rio Grande do Norte. Saiu chocada. Encontrou um quadro de horror. Celas muito piores do que jaulas. Superpopulação, péssimas condições de higiene, latrinas cheias, presos doentes sem atendimento médico ou odontológico, esperando julgamento, comida lastimável. Pessoas dormindo no chão.

Enquanto isso,em Porto Alegre, também ontem, a imprensa descobriu que suspeitos estão trancados em viaturas policiais. Não há vagas em delegacias ou penitenciárias. Estavam confinados como animais em quatro camburões. Estavam nesta situação há dois dias.

O sistema prisional do Brasil é medieval. Cadeias lembram navios negreiros, masmorras. Estudos apontam que pelo menos 15% da população carcerária está contaminada pelo vírus HIV. Transmitido por relações sexuais, muitas vezes estupros, e também pelo uso de drogas injetáveis. Tuberculosos também são comuns.

O Complexo do Curado, no Recife, é um indigno exemplo. Embora tenha capacidade para 1.800 presos, abriga mais de sete mil. Condenados chegam a pagar para ficar em celas com menos gente. Pagam para quem? Para chefes das facções, que dominam a esmagadora maioria dos presídios deste país.

O Brasil é constantemente citado como país que infringe os direitos humanos em suas penitenciárias. E a situação só piora a cada ano. O descaso governamental é inacreditável. Como no caso de uma menor, L.A.B. ter ficado 26 dias em uma cela com 30 homens no Pará. Foi estuprada e torturada todos os dias. A Comissão Nacional de Justiça levou quase dez anos para punir a juíza Clarice Maria de Andrade que autorizou a ida da menor para a cadeia masculina. A punição: ficará afastada por dois anos, mas recebendo integralmente seus salários.

Mesmo nestas condições subumanas cada preso no país custa ao estado, em média, quatro salários mínimos. Cerca de R$ 3.520,00 por mês. E cerca de 82% não se recuperam. Voltam a cometer crimes.

Bruno conseguiu, depois cinco anos de bom comportamento, escapar desse cenário desolador. E foi designado para um outro tipo de prisão. Condenado a 22 anos e três meses pela morte de Eliza Samúdio, em 2010, ele deixou as penitências 'normais do país' e foi cumprir pena na APAC de Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte.

Bruno já confessou em entrevistas que as penitenciárias pelas quais passou, Nelson Hungria e Francisco Sá, o desesperaram. A ponto de tentar suicídio, ser agredido, tomar facada. Mergulhou em profunda depressão. Mudou seu comportamento profundamente no prisão modelo, ao se adequar aos métodos da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados.

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Nas entrevistas que Bruno deu desde que está preso, falou de sua vida, de Elisa, do livro que está escrevendo para dar a 'sua versão' da morte da mulher com quem teve o filho Bruno. Mas nunca se aprofunda no método que o fez abandonar a depressão e acreditar que estará recuperado para a sociedade.

De uma maneira geral, o Brasil também não. Mas não foi o caso do Papa Francisco. Na homilia Angelus (pregação) do dia 11 de setembro, que fez na praça São Pedro, no Vaticano, ele escolheu o tema "Ninguém é irrecuperável. Deus nos regenera".

"Ninguém é irrecuperável" foi um dos livros que o Papa Francisco havia acabado de receber. Ele foi escrito por Mario Ottoboni, responsável pela criação do método APAC que está recuperando Bruno. O sistema prisional desenvolvido pelo brasileiro Ottoboni e aplicado em prisões modelos precisa ser conhecido.

Infelizmente, só existem algumas espalhadas no país. O método já foi exportado para a Alemanha, Argentina, Bolívia, Bulgária, Chile, Cingapura, Costa Rica, El Salvador, Equador, Eslováquia, Estados Unidos, Inglaterra, País de Gales, México, Moldávia, Nova Zelândia e Noruega. O sistema foi reconhecido pelo Prison Fellowship International.

O método socializador da APAC espalhou-se por todo o território nacional (aproximadamente 100 unidades em todo o Brasil) e no exterior. Já foram implantadas APACs na Alemanha, Argentina, Bolívia, Bulgária, Chile, Cingapura, Costa Rica, El Salvador, Equador, Eslováquia, Estados Unidos, Inglaterra e País de Gales, Latvia, México, Moldovia, Nova Zelândia e Noruega. O modelo Apaqueano foi reconhecido pelo Prison Fellowship International (PFI), organização não-governamental que atua como órgão consultivo da Organização das Nações Unidas (ONU) em assuntos penitenciários, como uma alternativa para humanizar a execução penal e o tratamento penitenciário.

Cada preso custa cerca de um salário mínimo e meio por mês neste método e o índice de reincidência ao crime é de 8,62%. Charles Colson, que foi assessor jurídico de Richard Nixon, e um dos incentivadores do Prison Fellowship International chegou a cogitar o nome de Ottoboni para o Prêmio Nobel de Paz.

Ottoboni nasceu em Barra Bonita, mora em São José dos Campos. Advogado, estudou ciências sociais e políticas. Desenvolveu seu método de reintegração dos presos. Contou com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Com o auxílio de dom Paulo Evaristo Arns, dom Ivo Lorscheiter e dom Luciano Mendes de Almeida enfrentou a Ditadura Militar para a implantação do seu método.

Ele teve o seu grande amigo e parceiro na luta pelos direitos humanos, Franz de Castro Holzwarth, metralhado em uma rebelião na cadeia pública de Jacareí. Franz havia se oferecido para mediar o motim. Ficou como refém no lugar de um dos guardas. Mario estava ao seu lado tentando resolver a rebelião.

Por coincidência, Mario tem ligação com futebol. Foi presidente do São José Esporte Clube. Descobriu vários atletas como Leão, Lance e Teodoro. Conhece os dois mundos, o dos presos e o dos jogadores.

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Aos 85 anos, mostra detalhes que fazem entender um pouco mais do país que vivemos.
Sua entrevista foi verdadeira, corajosa.
Foi muito além de Bruno, do futebol.
O Brasil tem a obrigação de conhecer Mario Ottoboni.

O senhor acredita na recuperação de Bruno? Ele assumiu ser o mentor do assassinato de Eliza Samudio. É justo que volte ao futebol? À sociedade?

Eu sou uma pessoa bem direta. No sistema prisional comum do Brasil, acreditaria ser quase impossível. Dizem que no Brasil não há prisão perpétua ou pena de morte. Mas há basta cair em uma dessas penitenciárias grandes, montadas para dar lucro, que não há volta. Eu frequento cadeias desde 1972, ao contrário de secretários da Justiça, governadores, ministros que nunca colocaram o pé em uma cadeia. Quando vão, chegam cercado de jornalistas. Eu conheço o dia a dia. Infelizmente entendo quando o Bruno disse que tentou suicídio. As presidiárias do Brasil são masmorras nojentas. Não são escolas de crime. São faculdades. A pessoa sai da cadeia revoltada, disposta a devolver ao sistema o que recebeu. Se o país o fez passar por todo tipo de humilhação possível, devolverá na mesma moeda. Até pior.

Bruno revelou que viveu no inferno nos cinco anos que viveu em duas grandes penitenciárias. Por que existe esse inferno? Quem se beneficia dele?

Olha, esse inferno não é por acaso. Para os governantes, esses presos são um peso. São agrupados e jogados aos milhares nestas masmorras esquecidas pelo mundo. Superlotadas, sem higiene, sem camas suficientes, com epidemias de doenças. Comida nojenta. Com pouquíssimos e funcionários mal remunerados. Lógico que há quem se beneficie. O custo de cada preso nestas cadeias é absurdamente caro. Se o dinheiro que o Estado gasta realmente chegasse ao preso, ele teria uma vida de luxo. O que se paga aos fornecedores de comida, uniforme é absurdo. Sem controle. Muita gente importante, que se beneficia do que acontece no sistema carcerário brasileiro, não quer que mude. Ele movimenta muito dinheiro. É uma vergonha!

Esse caos não favorece às facções criminosas?

Lógico que sim. O PCC que nasceu em São Paulo e o Comando Vermelho, que nasceu no Rio, comandam as prisões do Brasil. Essas facções cumprem o papel do Estado. Elas são organizadas. O sujeito quando é preso fica abandonado à própria sorte pelo governo. Fica parado, de perna para o ar. Sem ter o que fazer, enjaulado, abusado, humilhado. E aí, as facções oferecem proteção, dinheiro, droga, mordomias na cadeia. Proteção à família que está fora. O sujeito aceita. Só que vai ter de pagar por tudo isso. Vira um operário do crime organizado. Sai muito pior do que entrou. Aprende tudo o que é ruim. E ainda completamente comprometido com as facções. O governo finge que não sabe. Ou melhor, não quer nem saber. As consequências recaem sobre a sociedade. O Brasil se torna a cada dia um pais mais violento e nas mãos das facções. O sistema penitenciário tem enorme responsabilidade sobre isso.

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Diante de tudo isso que o senhor desenvolveu as APACs?

Sim. Em 1972, cheguei à conclusão que as prisões brasileiras não recuperavam ninguém. E o ser humano é recuperável. Só que o detento precisa ser tratado de maneira humana. Humana, mas firme. O primeiro passo é respeitar a vida. Buscar uma religião, seja qual for. Considero a religião fundamental para a pessoa respeitar e cuidar do semelhante, como gostaria de ser cuidado, ser respeitado. Perceber que nossa vida é muito preciosa. Desenvolvi o método que os presos são obrigados a trabalhar, a estudar, a se formar em uma profissão, os próprios detentos são responsáveis pela segurança, plantam a comida que comem. Cada um tem sua cama decente. Banho quente. As nossas cadeias respeitam a sua capacidade. O método é eficiente. Há disciplina, hora para tudo. E muito respeito pelo ser humano. O nosso grau de recuperação dos detentos é de quase 92%.

Qual o maior erro no sistema carcerário no Brasil?

As penitenciárias com milhares de pessoas. É impossível recuperar tanta gente junta. O melhor seria pequenas cadeias, onde todo o trabalho de recuperação poderia ser verdadeiramente feito. Não dá votos construir cadeias. Cidade alguma quer. Porque não são só os presos. Há as pessoas que eles atraem. Do jeito que as coisas estão, quando uma nova cadeia enorme é construída, chegam inúmeros membros da família do detentos. E, lógico, membros da facção. O crime no Brasil está muito organizado. E os governantes seguem de braços cruzados.

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O Bruno estar em uma APAC é benéfico para a ONG?

Sem dúvida. Se não fosse por ele, você não estaria aqui me entrevistando. Mas é muito melhor para ele. Há a real chance de sua recuperação como ser humano. E eu tendo essa oportunidade de mostrar a importância do método. Eu já viajei o mundo todo. Ganhei vários prêmios. Mas não me interessam premiações. Eu tenho orgulho em ver que há recuperação para os presos. O Bruno mesmo, que foi um jogador consagrado. Goleiro importante do Flamengo. Eu fui presidente do São Jose e lancei o Leão, Teodoro, Lance, Ferretti e outros. Sei como jogador de futebol se comporta. O mundo que o cerca. O Bruno tem o perfil típico de jogador de futebol. Abandonado pelos pais, pobre, sem educação. Cometeu um crime gravíssimo. Mas está pagando por ele. E está tendo a real oportunidade de se recuperar para a sociedade. Graças a Deus as notícias que tenho dele são as melhores possíveis. Está trabalhando (limpa a capela e é soldador). Cumprindo suas obrigações. E até treinando futebol nas atividades esportivas obrigatórias do presídio. Por enquanto está um recuperando exemplar.

O senhor desenvolveu um método onde os próprios presos plantam e fazem sua comida. Eles mesmo são responsáveis pela segurança. Lavam suas roupas. Enfim, custam muito menos ao estado. Por que este método não é espalhado pelo país?

Olha, sou bem sincero. Você acha que não tem gente poderosa perdendo dinheiro com os presos fazendo quase tudo sozinhos? E mais, no nosso método, nenhum preso fica sem assistência jurídica. Milhares de presos estão esperando julgamento por anos. Fora os que já cumpriram suas penas e estão abandonados. Há quem se beneficie disso. São soldados em potencial para o crime organizado. Em São Paulo, o estado mais desenvolvido do país, chegamos a ter cerca de 30 APACs. Sabe quantas existem hoje? Nenhuma. Mandaram fechar todas. E jogaram os presos nestas penitenciárias gigantes, dominadas pelas facções, o que eu posso fazer, eu faço. Mas este é o Brasil.

O senhor garante que o Bruno estará recuperado?

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Sinceramente, melhor chance neste país ele não vai ter. E só está na APAC de Santa Luzia porque teve cinco anos de bom comportamento. Se não tivesse, não iria para lá, não. Se errar lá dentro, sai e não volta. Ele que aproveite a chance de trilhar um novo caminho na sua vida. Continuo acreditando que ninguém é irrecuperável, não tenho dúvida, nenhuma criança nasce com armas, ela opta pelo crime graças a uma sociedade egoísta e desumana.

Blog Cosme Rímoli
 
 

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