Foto: Matheus Gevaerd. |
Natural que aos dez anos, quando criança era realmente ingênua nesta idade, a paixão sofresse um abalo pela saída do ídolo máximo para a Udinese. Uma traição na visão do menino e avalizada por muita gente adulta.
E foi justamente neste período que um rival histórico dominou o cenário regional, em tempos que os estaduais valiam demais, e ainda conquistou um título brasileiro: o Fluminense tricampeão carioca de 1983 a 1985, com a conquista nacional em 1984 para marcar época definitivamente.
Uma equipe formada meio no "cata-cata", na base do "bom, bonito e barato". Até pelos problemas financeiros de um clube que não chegava às finais do Carioca desde o título, em 1980. Já no Brasileiro, a última grande campanha tinha cheiro de frustração, com a "máquina tricolor" sendo eliminada na semifinal por um Corinthians bem mais limitado. A inesquecível "invasão" do Maracanã em 1976.
Em 1983, a base era formada pelo goleiro Paulo Vítor (no Flu desde 1981), o lateral direito Aldo, contratado ao Paysandu no ano anterior, o zagueiro Ricardo (Gomes), formado na base do clube e Delei, o titular remanescente da última conquista. Do Internacional chegaram os relegados Branco e Jandir, depois Tato. Do Coritiba, o volante Leomir, ainda em 1982. Do América, o zagueiro Duílio. O maior investimento foi na dupla de ataque: Washington e Assis, que venceram o Paranaense pelo Atlético-PR e aterrorizaram a defesa do Flamengo na semifinal do Brasileiro daquele ano, mesmo com eliminação.
O treinador Cláudio Garcia comandou a equipe no título da Taça Guanabara e depois partiu para o Flamengo, que seria o campeão da Taça Rio. No triangular final com o Bangu, time de melhor campanha nos dois turnos, o título veio mesmo sem grande futebol do time agora comandado por José Luís Carboni, com o histórico gol de Assis, no minuto derradeiro do Fla-Flu. O último sofrido na carreira do goleiro Raul Plasmann.
Uma conquista no melhor estilo "timinho" que consagrara o tricolor nos anos 1950. Sem favoritismo, com placares magros, mas levando o troféu para as Laranjeiras. No entanto, para vencer o Brasileiro era preciso pensar grande.
Faltava o craque e o grande treinador. Chegaram o paraguaio Romerito do Cosmos e Carlos Alberto Parreira, depois da primeira experiência não tão bem sucedida na seleção brasileira no ano anterior. Para dar o salto de qualidade na melhor versão daquela equipe que virou timaço.
Armado em uma espécie de 4-4-1-1, nas palavras do próprio Parreira em entrevista a este jornalista. Deixando o corredor direito livre para a vitalidade de Aldo e os deslocamentos de Washington, sempre municiados por Delei. Do lado oposto, Romerito se juntava à ala esquerda formada por Branco e Tato ou Paulinho, setor ofensivo mais forte do time. Assis trabalhava com os meio-campistas, caía pelos flancos e se juntava a Washington, principalmente no jogo aéreo. O "Casal 20", apelido inspirado em famosa série de TV à época.
Sem a bola, todos colaboravam na recomposição e Jandir era o volante marcador que protegia a zaga formada por Duílio e Ricardo Gomes. Assim o time embalou a partir das quartas de final. Levou dois gols fora de casa do Coritiba no empate por 2 a 2 na ida e depois Paulo Vitor não sofreu mais gols. 5 a 0 nos paranaenses para se firmar como grande força.
Mas não favorito contra um Corinthians embalado por eliminar o Flamengo com goleada em casa por 4 a 1 e sonhando com o então inédito título nacional na despedida de Sócrates, que partiria para a Fiorentina. No Morumbi, porém, o Flu de Parreira protagonizou a grande atuação coletiva de todo aquele período: 2 a 0, calando o estádio lotado. Gols de Assis e Tato, mais outras oportunidades em transições ofensivas demolidoras e sem conceder nenhuma chance clara à equipe paulista. Domínio absoluto consolidado com empate sem gols no Maracanã.
Na decisão carioca, o gol de Romerito e outra grande atuação de defesa-contragolpe superaram o ofensivo Vasco comandado por Edu Coimbra, irmão de Zico, e que teve os dois artilheiros daquela edição: Roberto Dinamite e Arturzinho. Mas não havia equipe mais equilibrada.
Supremacia ratificada no ano seguinte ao vencer novamente a Taça Guanabara. E fazer deste que escreve um torcedor do Fluminense por duas semanas. Cansado de tantos vexames rubro-negros – incluindo uma eliminação no Brasileiro para o Brasil de Pelotas naquele mesmo ano, com Zico já de volta ao clube – e desolado pela grave lesão do Galinho na entrada criminosa de Márcio Nunes, do Bangu.
É óbvio que não duraria muito. Afinal, paixão clubística não tem explicação. Mesmo com o tri do Flu na vitória de virada sobre o Bangu por 2 a 1. Gols de Romerito e Paulinho, este em linda cobrança de falta, que consagrariam a equipe comandada por Nelsinho Rosa em mais uma conquista histórica. Fiquei feliz porque o melhor havia vencido, mesmo beneficiado por erro grotesco do árbitro José Roberto Wright ao não marcar um pênalti claríssimo de Vica em Cláudio Adão no final do jogo.
O amor pelo futebol, especialmente o do Rio de Janeiro, fez o menino de 11 anos em 1984 se arrepiar no Maracanã com o hino do Botafogo ao acompanhar o irmão cruzmaltino em um clássico contra o Vasco. O grande rival do Flamengo que teve a minha torcida em 1987, no "Clássico dos Milhões" que confirmou o título da Taça Guanabara para o time comandado por Joel Santana que tinha Dinamite, Romário, Tita, Geovani e Dunga. Sim, eu fui para a arquibancada de quem estava jogando mais bola. Mas esta é uma história para outro post.
Este homenageia um timaço vencedor. Para mim a verdadeira "Máquina Tricolor". Do lindo uniforme verde, branco e grená, além da bandeira levada ao gramado em cada jogo. Uma mística que encantava e, combinada com bom futebol, quase roubou meu coração há 35 anos.