Felipe Melo, do Palmeiras, em ensaio especial para a Libertadores — Foto: Divulgação/CONMEBOL |
Jogador do Palmeiras fala sobre treinos na pandemia, corte de salários e política – e ainda recebe "visita" do filho no fim da entrevista exclusiva.
Felipe Melo se diz favorável ao retorno do futebol brasileiro em meio à pandemia de coronavírus. Em entrevista à Globo, o jogador do Palmeiras pediu que a retomada seja feita com segurança para atletas e demais envolvidos nos jogos. E afirmou acreditar que a medida pode ajudar a aumentar os índices de isolamento social, cada vez mais baixos no país (assista acima à íntegra da entrevista).
– Sou a favor da volta, mas com segurança para todos. Fazer o que tem de ser feito de teste, enfim... O que tem de ser feito. Com isso, vamos ajudar outras pessoas a ficarem em casa – afirmou Felipe Melo.
O ex-meio-campista e agora zagueiro do Palmeiras defende que a volta do futebol aconteça de forma cuidadosa.
– Nada tem de ser feito com pressa. Tem de fazer as coisas pensadas, estudadas. Qual o melhor dia? Daqui uma semana? Vamos fazer toda estrutura, cuidar de tudo. Daqui 10 dias, 20 dias? Não importa. Tem de voltar com toda uma estrutura para exercermos aquilo que é nosso por direito, aquilo que a gente gosta, a gente ama jogar futebol, e para ajudar as pessoas a ficarem em casa – reforçou.
O jogador, de 36 anos, disse ainda que o corte de 25% dos salários de todo o departamento de futebol do Palmeiras foi “o mínimo” a ser feito neste momento de crise e que a prioridade tem de ser a saúde das pessoas.
– Salvar vidas vem em primeiro plano sempre.
Leia abaixo alguns trechos da entrevista (a íntegra está no vídeo acima):
Como é o lado do atleta retornando aos treinos de maneira completamente diferente, por aplicativo, por vídeos?
– É novo, né? Uma coisa é você sair de férias e fazer o trabalho de manutenção. Férias é poder ir para qualquer lugar que quiser. Tivemos férias forçadas, é bom frisar. No início nós imaginávamos que dentro de cinco, dez ou 15 dias voltaríamos, e estávamos com planejamento já feito pelo Palmeiras. Passaram 15 dias, a gente viu que ia demorar mais. Comecei a fazer trabalho de manutenção. Se fizer trabalho forte todo dia, seu corpo não aguenta. Agora estamos trabalhando com todos os atletas em videochamada.
Que tipo de volta você imagina na parte técnica e tática? Perde muito?
– Nós já estamos em período acima do período de férias. O período de férias no Brasil é de 30 dias. Estamos parados há quase 50 dias, se eu não me engano. Na minha carreira, acho que joguei um jogo festivo, que foi ano passado. Mas eu jogo uma peladinha com meus filhos, a família é grande. Agora nem isso. A gente fica com saudade, mas óbvio que perde. Fica na cabeça, mas não tudo. De 100%, acho que você perde bastante, volta aí com 40%, 50%. Por isso que existe pré-temporada.
Você vinha jogando em uma função diferente (passou a atuar como zagueiro em 2020). De alguma maneira o tempo parado vai dar uma diferença pelo fato de ter essa mudança de função?
– Confesso que depois que me tornei zagueiro tenho visto muito vídeo de atacante e outros zagueiros, porque ajuda. Tenho intensificado os vídeos do próprio Felipe Melo. Vejo que a melhora foi grande. Saí do zero para estar em uma das melhores zagas do Brasil, do Campeonato Paulista sobretudo. Isso é importante para caramba. Tenho certeza de que vou voltar muito melhor do que comecei na temporada passada.
Qual zagueiro você tem visto?
– Vi muito o Schiavi. Coloco vídeos dele no Youtube. Falei há pouco tempo que era um cara que eu gostava muito quando via o Boca jogar. Tenho vídeos do Gamarra e do Clebão. Vi alguns do Cannavaro. Tenho visto muitos vídeos de um cara que gosto muito, joguei muito anos com ele e falei que seria um dos melhores do mundo, que é o Bonucci, por causa do passe. Um tem melhor porte físico, chega mais junto, outro mais técnico, outro com tempo de bola impressionante, que é o Cannavaro. Venho para um setor em que não posso perder a bola. No meio, se eu perdesse (a bola), tinha o zagueiro. Agora só tenho o goleiro. Tem que estar preparado para todas as situações.
E quais atacantes?
– Tenho visto dos atacantes em geral no Brasil. Vi de atacante do Bragantino, do São Paulo. Vamos voltar a enfrentá-los, se Deus permitir que volte o Paulista. Tenho meus ídolos. Cresci vendo Romário jogar futebol. Baixinho marrento, mas fazia gol para caramba, era fera. Eu gostava muito do Shevchenko. Parecia lento, mas fazia gol de todo jeito. Gostava muito do Raúl. Ronaldo Fenômeno. Sempre gostei de ver o Bergkamp, do Arsenal. Van Nistelrooy. Um de velocidade, outro que segurava mais a bola, outro que acreditava em todas. Mas sobretudo do Romário, porque sempre foi uma inspiração, apesar de eu jogar atrás.
O Palmeiras anunciou a redução de 25% dos salários. Conversando com o presidente Galiotte, ficou muito claro que esse acordo dos jogadores partiu de alguns líderes, e você foi citado. Como foi esse papel para juntar todo mundo?
– Não importa se o fulano ganha R$ 1 milhão por mês ou R$ 1 mil. Todas as pessoas têm suas contas para pagar. Eu tenho quatro filhos dentro de casa. É cara a escola das crianças. A conta de luz, água e internet é cara. Em nenhum momento falaram que vão tirar 25% (das contas). A carne que vou comprar não tem “paga 25% menos”. Pelo contrário. Tenho comprado coisa que está mais cara. Não é obrigação. Assim como vi alguns jornalistas dizendo que (jogador) tem obrigação de ajudar. O cara não tem obrigação de ajudar. Isso é uma coisa de coração.
– A gente tem que pensar em salvar vidas. E nisso eles foram cirúrgicos. Na hora que foi passado, nós debatemos o melhor para todos, mas tenho orgulho muito grande do Palmeiras, de todos, porque foi muito rápido. Por isso fizemos de coração e estamos orgulhosos, porque estamos ajudando muitas pessoas. Hoje eu tenho estrutura, posso ficar aqui, mas quem não pode? Então, não é obrigação, mas é o mínimo que a gente tinha que ter feito.
Você também pensa que o futebol é segundo ou terceiro plano e que no momento agora é salvar vidas e conter a pandemia?
– Salvar vidas vem em primeiro plano sempre. Eu tenho uma empresa que não é pequena. Não mandamos nenhuma pessoa embora. Deixei de ter meus ganhos, mas não mandamos nenhuma pessoa embora. Tem muitas pessoas que dependem de quem está trabalhando nessa empresa. Na minha, como no Palmeiras...
– Eu sou a favor da volta ao futebol. Sempre fui a favor da volta com segurança. Com segurança para todos e não apenas para os atletas de futebol, porque envolve todo um estafe. Nós temos pessoas do nosso estafe que fazem parte do grupo de risco. Tem que ter o bom senso de primeiro voltar a treinar, mas com toda a segurança. Eu também tenho quatro filhos em casa. Não posso chegar lá e me submeter a pegar o vírus. Não vi nenhum atleta de futebol vir a óbito, mas e aí? E os filhos? E os meus filhos, minha avó... Apesar de minha avó estar longe. Mas estou com meus filhos aqui, não sei. Cada um é diferente. Nós, de repente, temos, por sermos atletas e nos cuidarmos, essa resistência.
– Mas sou a favor da volta e vou falar outro motivo. Acho que, para manter as pessoas dentro de casa, você jogando futebol, tendo um joguinho na televisão, acho que vai ajudar bastante as pessoas a ficarem em casa. Mas, claro, todo mundo com todas as precauções e todas as situações que sejam importantes. E claro, né? Com o aval do pessoal da saúde, governo, prefeitura.
Acho que o Palmeiras está sendo superinteligente de não fazer algo contrário do que falam porque pode ser uma multa muito grande. Sou a favor da volta, mas com segurança para todos. Fazer o que tem de ser feito de teste, enfim... O que tem de ser feito. Com isso, vamos ajudar outras pessoas a ficarem em casa.
Você acha que daria certo naquela sugestão da CBF de 17 de maio de confinar os atletas, testar todo mundo, treinar e jogar? Seria viável?
– Nada tem de ser feito com pressa. Tem de fazer as coisas pensadas, estudadas. Qual é o melhor dia? Daqui uma semana? Vamos fazer toda estrutura, cuidar de tudo. Daqui 10 dias, 20 dias? Não importa. Tem de voltar com toda uma estrutura para nós exercermos aquilo que é nosso por direito, aquilo que a gente gosta, a gente ama jogar futebol, e para ajudar as pessoas a ficarem em casa.
O Raí recentemente se posicionou sobre o governo atual. Muitos elogiaram a postura dele, mas você fica com a sensação de que, dependendo do tipo de posicionamento que a pessoa tem, a crítica é muito em função do lado que ela vai?
– Eu jamais criticaria o Raí porque ele falou uma situação de política que ele acha. Respeito quem criticou. Mas eu jamais criticaria porque também vim publicamente falar que sou um cara que votei no Bolsonaro. Qual o problema disso aí? Cada um fala suas ideias e o que pensa. Não tem que ter crítica para quem fala mal e para quem fala bem do governo. É um direito de ir e vir, democracia, o cara fala o que tem de ser falado. O Raí falou aquilo lá. Se sou contra ou a favor são outros 500. Mas ele fala aquilo que tem que falar e não tem que ser questionado por aquilo que ele pensa.
Você fez doações, fez vídeos e campanha para o governo Bolsonaro. Que avaliação você faz do seu posicionamento e da sua ajuda neste momento?
– Eu sou patriota, cobrei zero centavo do governo, foi por amor. Quanto à ajuda, respondi não me lembro quem, um comentarista de futebol que inclusive trabalha no SporTV (Maurício Noriega). Tenho máximo respeito, nunca tive nenhum problema. Mas me marcaram em postagens dele falando que jogadores têm de ajudar. Eu falei com ele: "Você também estava ajudando? Posta aí também a ajuda". Jogador ganha R$ 10 mil e pode comprar cinco cestas básicas, o outro ganha R$ 500 e pode comprar um saco de feijão, pode ajudar também. Ajuda é de coração, é bíblico.
Nota da redação: no dia 31 de março, o comentarista Maurício Noriega publicou em seu blog no GloboEsporte.com um texto (leia aqui) em que cobrou ajuda financeira dos jogadores com maiores salários aos mais necessitados em meio à pandemia.
Globo Esporte