Muita calma nessa hora. O título deste post não deve entusiasmar o rubro-negro e nem desesperar o corintiano, porque muita água ainda rolará até 31 de dezembro. Há clubes que até devem estar em situação pior, dada a menor capacidade de geração de receita, mas em termos de números brutos de receitas e despesas/saídas, sem dúvida a situação corintiana é a pior.
Tal como no futebol, agora já quase com uma pré-temporada completa, de verdade, o pessoal do Itaú BBA aproveitou esse início de ano para fazer a Pré-Temporada Financeira, a primeira de muitas, acredito, um estudo preliminar sobre o que poderão ser os números de 2014, que viremos a conhecer durante o mês de abril (30 de abril é o prazo final por lei para publicação dos balanços) e também uma prévia sobre os resultados de 2015. Daqui alguns meses, teremos mais uma edição da análise completa dos clubes brasileiros, a exemplo dos últimos anos.
Essa primeira arrancada do ano foi limitada aos 12 clubes de maiores torcidas, até, acredito, pela maior abundância de informações financeiras. Mesmo assim, cumprindo um preceito básico das boas práticas financeiras, somente sete desses doze clubes apresentaram ou divulgaram seus balancetes no decorrer desse ano que passou: Corinthians, Flamengo, Fluminense, Grêmio, Internacional, Palmeiras e Santos. Sobre os outros cinco – Atlético Mineiro, Botafogo, Cruzeiro, São Paulo e Vasco, o trabalho foi feito a partir de projeções dos números de 2013, complementadas por informações através da imprensa. Um ponto importante a ser considerado também nesse estudo, é que os autores não contataram os clubes em nenhum momento. Todo o trabalho é realizado a partir dos balanços e balancetes públicos e informações da imprensa.
De acordo com Cesar Grafietti e Pasquale Di Caterina, autores desse trabalho, o “objetivo não é acertar os dados, mas ter uma indicação de para onde vão os clubes se a situação seguir na direção que as premissas apontam”. Posteriormente, ao elaborar a Análise dos Clubes Brasileiros – 2014, será possível verificar até que ponto essa visão preliminar está correta e, ao mesmo tempo, ter uma melhor ideia sobre o cenário para esse ano em curso.
Lei de Responsabilidade Fiscal no Esporte - A novidade nesse estudo é a inclusão dessa lei, numa base estimada pelo que foi discutido no Congresso Nacional, de como os clubes se comportarão nesse ano tendo que honrar seus compromissos fiscais em duas pontas: os atrasados e os impostos correntes. Essa parte do estudo será apresentada em post específico, a seguir.
As premissas consideradas
Inicialmente, os clubes foram divididos em dois grupos: os que apresentaram os balancetes intermediários durante o ano e os que não os divulgaram. Essa divisão se impôs porque a partir de dados intermediários é possível ter maior grau de conforto nos números projetados. No caso dos clubes que não divulgaram os balancetes, foram usadas informações disponíveis na Imprensa para, em conjunto com o que foi visto nos outros clubes formar o cenário do ano.
Transcrevo, a seguir, o texto do próprio estudo sobre as premissas:
“Para 2015 utilizamos como premissa de receitas a correção pela Inflação dos itens Receita com Direitos de TV, Publicidade e demais Receitas, exceto a Venda de Direitos Esportivos. Para estes casos utilizamos uma média dos últimos 4 anos.
Importante ressaltar que no caso da Publicidade consideramos que alguns clubes que ainda estão sem patrocinadores, mas há notícias de negociação na imprensa que conseguiram fechar seus contratos nas bases comentadas.
Para fins de Custos e Despesas utilizamos como referência as mudanças de elenco observadas ao longo de Dezembro e Janeiro, e corrigimos o saldo pela expectativa de inflação, aqui considerada em 6% ao ano, pouco abaixo do teto da meta inflacionária, e que é apenas uma referência para fins de cálculo. Naturalmente, neste item temos uma limitação porque fazemos uma ilação baseada nas informações de imprensa até este momento.
No final, chegamos ao EBITDA, que é a diferença entre Receitas e Custos e é o que sobra para Investimentos e Pagamento de Dívidas. Não avaliamos as fontes de recursos para eventuais necessidades de caixa, como novas dívidas ou adiantamentos, nem avaliamos os Investimentos, visto que há poucas informações que nos permitem ter esta profundidade.
Fatores que certamente não estão contemplados nesta avaliação são eventuais premiações por conquistas de Títulos, assim como vendas de Direitos Econômicos em valores muito acima do usual.
O objetivo foi avaliar se os clubes conseguem gerar resultados para pagar dívidas fiscais e fazer novos investimentos.”
Conclusões – Itaú BBA: 2014 foi ruim e 2015 não parece promissor
A verdade é que o balanço geral dessas suposições que apresentamos confirma que 2014 foi um ano bastante difícil para os clubes quando falamos da relação entre Receitas e Custos. Com exceção do Flamengo, que manteve sua política de austeridade e recuperação financeira, todos os demais clubes apresentaram receitas em queda, custos em elevação – ou, no melhor cenário, estáveis – de forma que a geração de caixa obtida foi insuficiente para investimentos, pagamentos de dívidas e juros. E ainda tiveram que conviver, possivelmente, com períodos de fluxo de caixa negativo, o que justifica informações sobre atrasos de salários e direitos de imagem.
Naturalmente que neste cenário os Investimentos ficam prejudicados. Acabou o mundo em que os Clubes Brasileiros podiam fazer grandes contratações, com a ilusão de poder competir com os Clubes Europeus. Hoje nem com a China podemos brigar.
Há que se fazer um forte ajuste nos Custos, uma vez que as receitas não aparentam ter força de crescimento nos próximos anos, já que o contrato com a TV está dado, o mercado publicitário reduziu a precificação das camisas dos Clubes e mesmo a Bilheteria pode sofrer queda, em função do cenário econômico mais restritivo que se avizinha.
Essas considerações acima dos autores do estudo são baseadas em estimativas, é importante relembrar ao leitor do OCE.
Pessoalmente, eu optaria por fazer o estudo sem considerar as receitas com transferências de atletas, que influenciam demais os resultados, mesmo considerando o fato de terem usado a média de 4 anos desse valor, como fizeram os autores. São Paulo, Atlético Mineiro e Corinthians, assim como o Internacional, parecem-me os clubes com maior influência dessas receitas.
De forma correta e prudente, até porque são profissionais do sistema financeiro, os autores trabalharam com uma expectativa inflacionária de 6,0% para esse ano, que é meio ponto percentual inferior ao teto estabelecido pelas autoridades monetárias. Pessoalmente, penso que o teto oficial dificilmente será mantido ou não atingido. Pelo que podemos antever, hoje, esse ano de 2015 se afigura extremamente difícil e a inflação poderá disparar, dependendo do que vier a acontecer em decorrência da crise hídrica, que afeta justamente a porção do país que concentra a maior parte do PIB.
O cenário para 2015 que começamos a enxergar nessa metade do primeiro trimestre, é pouco animador. Há visível redução na produção industrial, bem como sinais de desemprego crescente. Essa realidade certamente irá impactar negativamente receitas importantes para os clubes, como a bilheteria e os novos programas de sócios-torcedores, que são hoje as meninas dos olhos dos dirigentes de vários clubes.
Comentários do OCE
Flamengo sai na frente
As medidas de contenção de gastos e a preocupação e o pagamento dos tributos fiscais colocam o Flamengo numa posição ímpar para essa temporada de 2015, desde que sua direção se mantenha no caminho traçado. Só economizar, entretanto, não seria suficiente para explicar a boa situação rubro-negra e para isso a contribuição do aumento das receitas foi essencial, como já destacado no quadro apresentado acima – provável crescimento de 36% nas receitas de marketing (publicidade). Os custos se comportaram, com um ligeiro sinal de alerta, algo que, penso eu, deve ser ainda melhor cuidado nesse ano corrente. Os próprios autores reconhecem que com mais sobras, e eu diria mais dinheiro rolando do que sobras propriamente ditas, o clube poderá investir mais. Esse é sempre um momento delicado, perigoso – Paulinho da Viola: “Dinheiro na mão é vendaval, nas mãos de um sonhador” (e todo dirigente de futebol é um sonhador, tem que ser também um sonhador) – mas salvo alguma mudança de vulto no comportamento dos dirigentes, o clube terminará 2015 na sua melhor condição econômico-financeira nessa era moderna de nosso futebol.
Corinthians com problemas à vista
Os números de 2014 não aparentam nada muito bom, com significativa queda nas receitas e um igualmente significativo aumento nos custos. Há, ainda, controvérsias a respeito dos pagamentos do estádio, mas quaisquer que sejam os valores e condições, eles já devem ter trazido problemas de caixa em 2014 e terão forte impacto negativo sobre os resultados de 2015. Nesse ano, corrente, um mínimo de 60 milhões de reais (talvez mais) terão que sair do clube para pagamento das obras. Apesar disso, o clube ainda insiste com algumas contratações e renovações de contratos com valores nada condizentes com o cenário comentado para esse exercício. Lembro aqui que um singelo salário de “módicos” 500 mil mensais, tem um custo anual de pelo menos 8 a 9 milhões de reais. Pelo menos. Avançar na Copa Libertadores é condição sine qua non para a direção ter um ano um pouco menos problemático.
São Paulo teve um 2014 desastroso
Certamente não foi um bom ano para o clube, inclusive no plano institucional, o que talvez tenha provocado algum reflexo na própria geração de receitas. Os autores chamam o EBITDA de 2014 de desastroso e um caixa fortemente negativo num ano transfere muitos problemas para o seguinte, criando maiores dificuldades para 2015. Os problemas financeiros do Tricolor, entretanto, não começaram em 2014, eles vêm se acumulando há alguns anos (como esse OCE destacou algumas vezes), com grandes despesas em inúmeras contratações de atletas, grande parte sem o menor retorno, e pagamentos de enormes valores em juros sobre dívidas financeiras. Informações preliminares dão conta que o clube gastou cerca de R$ 33 milhões em juros em 2014 e tem uma previsão de outros R$ 37 milhões para 2015. Valor gigantesco apara um ano claramente recessivo. Para 2015 ter resultados um pouco melhores – e essenciais para o clube voltar aos trilhos da boa gestão – é fundamental que o time de futebol faça uma excelente Copa Libertadores, assim como um bom Brasileiro, arrastando o torcedor ao Morumbi e dinheiro para os cofres. Uma eliminação precoce na Copa Libertadores, algo possível, mas não provável, dada a composição do grupo, trará resultados catastróficos para as contas do clube.
A Copa Libertadores é o “tudo ou nada” para dois de nossos maiores clubes. Haja coração.
Santos inspira muitos cuidados
A nova direção santista precisará trabalhar muito para apagar os péssimos resultados financeiros de 2014. Apesar de alguns cortes em despesas, a geração de receitas parece longe do ideal e, nesse sentido, na visão já expressa desse OCE, jogar muitas vezes na pequena Vila Belmiro, inclusive clássicos, em nada ajudará o clube. Na atual conjuntura, jogar um clássico contra o São Paulo, para menos de 9.000 pessoas e renda bruta de 270 mil reais, é brincadeira. Não pode ser levada a sério, sabendo-se que o Pacaembu está disponível. A renda líquida desse jogo mal e mal deve ter dado para pagar o salário de dois, talvez três jogadores recém-saídos da base.
Vergonha: até o momento em que finalizo esse post, a Federação Paulista de Futebol não liberou os boletins financeiros dos jogos do Campeonato Paulista.
A incrível e curiosa situação do Palmeiras
Um amigo perguntou-me há alguns dias como explicar o fantástico crescimento do programa de sócios-torcedores do Palmeiras. Afinal, o time foi mal no Brasileiro, escapando por pouco do rebaixamento e, bem sabemos, os programas de ST são movidos a resultados, até mesmo os programas dos líderes Internacional e Grêmio (esse suplantado agora pelo Palmeiras). Os números de inscrições não diminuem, os clubes não deletam nomes, mas os pagamentos, ah, os pagamentos... Desaparecem do caixa à medida que as posições nas tabelas vão aumentando, portanto, de forma inversamente proporcional. Respondi ao meu amigo: o impacto da casa nova, o fervor em torcer e contribuir para evitar um rebaixamento no ano do 100º aniversário e a fé, simplesmente. O palmeirense aderiu ao programa de ST. Em poucos meses atropelaram todos à frente, ficando atrás apenas do Internacional. E 19% acima do programa corintiano. Tudo isso também explica o envolvimento financeiro do presidente com o clube. Nada desejável, nem um pouco correto, mas, que diabos, como não dizer que faz parte do futebol? De qualquer forma, por melhor que seja, por mais fantástico que seja 2015, ainda assim será um ano difícil financeiramente. E seus reflexos, somados aos de 2014 e anos anteriores, continuará assombrando o clube por um bom tempo.
Grêmio e Internacional – realidades diferentes, dificuldades semelhantes
Caixa baixo. Pagamentos dos estádios. Problemas, em especial no Inter, com as transferências de atletas. Os números preliminares apontam um 2014 de números modestos, fracos até, para os dois clubes. A recuperação em 2015 é complicada e vai depender, para os colorados, de uma boa, uma ótima campanha na Copa Libertadores. No geral, os dois clubes terão dificuldades com seu caixa.
Atlético e Cruzeiro em situações diferentes
Causou-me espanto, e deixei claro e registrado em posts a respeito, a decisão atleticana de jogar a final da Copa do Brasil no Independência ao invés do Mineirão. A direção do Galo jogou dinheiro no lixo com essa decisão e o final do ano, com o novo presidente tomando posse num cenário complicado, foi boa mostra disso. Já o Cruzeiro terminou melhor. Com problemas, também, mas bem menos. Estou curioso a respeito dos pagamentos represados dos impostos. Os dois clubes mudaram bastante seus elencos. Nesse sentido, a Raposa precisa armar um novo time, tão ou mais eficiente que o anterior, num prazo muito curto e com uma base menor. O mesmo ocorre com o Atlético, que, a exemplo do rival, perdeu uma grande referência na frente. Para os dois clubes, a exemplo dos outros três brasileiros na competição, uma boa Libertadores poderá fazer a diferença necessária para um bom 2015.
Libertadores... Ir bem na Copa Libertadores tem dois significados: boas receitas de bilheteria e... Boas receitas de bilheteria. Primeiro, na própria Copa. Segundo, no Brasileiro, pois o torcedor fica mais estimulado e comparece mais. O dinheiro gerado pela própria competição é bom, claro, mas é pouco comparado ao que os grandes brasileiros arrecadam aqui mesmo. A real diferença fica por conta do estímulo recebido pelo torcedor. Principalmente se um dos cinco times for o campeão.
Botafogo, Fluminense e Vasco
Ano difícil à frente. Nesse momento não dá para tirar dessa afirmação genérica nem mesmo o Fluminense, pois os efeitos da saída da Unimed ainda estão por ser conhecidos totalmente. Disputar a Série B em 2014 sem dúvida afetou negativamente as finanças e 2015 deverá ser um ano de recuperação parcial. Essa possibilidade, porém, esbarra na necessidade, como os demais, de conter custos. O Botafogo, aparentemente, teve o pior 2014 dos três clubes. A esperança para 2015 é trabalhar com o menor custo possível, iniciando um longo e penoso trabalho de recuperação financeira. Como diria um amigo, “não tá fácil pra ninguém”.
Não tá fácil pra ninguém. Para nenhum clube brasileiro, vitorioso ou não.
Não vai ser fácil pra ninguém, tampouco. Nem mesmo para um eventual campeão da Libertadores e, quem sabe, campeão mundial.
O cenário que temos desenhado é de grandes dificuldades, que não serão resolvidas por uma boa ou ótima ou nem mesmo por uma excepcional temporada.
Todos nossos clubes, sem exceção, precisam de trabalhos de recuperação e saneamento de longo prazo.
Por isso, eu repito: o Flamengo está à frente dos demais. Mesmo com uma dívida ainda gigantesca. Olhando os resultados desses anos, fica claro que ter grande torcida ajuda, mas também fica claro que só isso não resolve.
Tem que ter gestão de ótima qualidade e total seriedade.
E aqui, amigos leitores e torcedores, a gestão específica do futebol, fora de seus aspectos financeiros, é diferente da gestão geral do clube. Da gestão política, administrativa, econômico-financeira.
Mesmo grandes gestores erram no dia a dia do futebol. É normal, é até saudável, pois preserva a imprevisibilidade do esporte bretão que consagrou o antes obscuro belga Jean-Marc Bosman.
Só não podem se dar ao luxo de errar no trato dos recursos dos clubes.
Porque, ao fim e ao cabo, são as gestões que fazem a diferença no longo prazo.
Fonte: Blog Olhar Crônico Esportivo