Com a presença de autoridades, o Atlético-PB levanta a taça de campeão paraibano 2002 — Foto: Acervo histórico / Museu do Futebol de Cajazeiras |
O Brasil, sem dúvida, possui uma imensa dificuldade em contar a sua história. No futebol, a situação não é diferente, com diversas edições de campeonatos mal resolvidos ou com decisões controversas. Na Paraíba, em praticamente todos os anos, uma breve leitura no regulamento do estadual expõe fragilidades e incoerências. Mas foi a edição de 2002 do Campeonato Paraibano que marcou um dos casos mais emblemáticos da jornada centenária da modalidade no estado.
Foi no dia 28 de julho daquele ano que o Atlético de Cajazeiras conquistou um inédito título da elite sem nem precisar entrar em campo para um jogo decisivo. A vitória por WO sobre o Campinense garantiu aquela taça ao Trovão Azul. Mas, até hoje, uma denúncia de escalação irregular rende polêmica num dos episódios mais conflitantes em solo paraibano. É o segundo episódio da série Jogos Históricos da Paraíba, do GloboEsporte.com.
Um time sem direção
Antes de mais nada, é preciso entender que naquela temporada de 2002, o Atlético de Cajazeiras vivia um momento conturbado. O fato é que a equipe não possuía diretoria para administrar o planejamento para aquela disputa, até que um grupo formou uma junta administrativa para guiar o clube atleticano no Campeonato Paraibano. E foi assim que começou a jornada do campeão. Quem explica é Reudesman Lopes, historiador cajazeirense, que fez parte daquela geração fantástica do Trovão Azul.
– Naquele momento, o Atlético-PB era um time quase abandonado. É que não existia uma diretoria realmente dita. Por isso, o clube foi abraçado por um grupo de apaixonados e abnegados atleticanos. Eu tomei a iniciativa de ir até essas pessoas para, sem alarde, ajudar no processo. Os grandes arquitetos foram Tassiano Gadelha, que hoje é treinador e dirigente de futebol, Eduardo Silvestre, que era preparador físico. Além deles dois, eu destaco Wellington, que era capitão do time. Ele nos ajudava demais. Recordo que ele era quem recebia o material que eu ia conseguindo e ele guardava embaixo da cama – lembra Reudesman.
Com esses traços de amadorismo, o Atlético de Cajazeiras foi montado. Mas, para o historiador, aquele time formado dessa forma era realmente muito forte.
Tassiano Gadelha, técnico e dirigente, estava na junta administrativa que comandou o Atlético-PB em 2002 — Foto: Silas Batista / GloboEsporte.com/pb |
– O time era imbatível. Um dos melhores que vi jogar com a camisa do Atlético de Cajazeiras. Destaco Zé Antônio, zagueiro, o próprio Wellington, meia, capitão da equipe. Além de Canízio e Nino Baiano, que eram atacantes.
A edição de 2002
O Campeonato Paraibano 2002 contou com a participação de 15 equipes: América da Caaporã, Atlético de Cajazeiras, Auto Esporte, Botafogo-PB, Campinense, Esporte de Patos, Guarabira, Miramar de Cabedelo, Nacional de Patos, Perilima, Santa Cruz de Santa Rita, Serrano-PB, Sousa, Treze e Vila Branca de Solânea.
A camisa do Atlético-PB na campanha do Campeonato Paraibano 2002 — Foto: Acervo histórico / Museu do Futebol de Cajazeiras |
A competição começou no dia 24 de março e terminou no dia 28 de julho. Mas o que realmente chamou atenção foi o regulamento, que era um pouco confuso.
A primeira fase contava com 13 equipes, distribuídas em três grupos. No Grupo A, estavam América de Caaporã, Auto Esporte, Miramar de Cabedelo e Santa Cruz de Santa Rita. No Grupo B, que contava com um time a mais, estavam Campinense, Guarabira, Perilima, Serrano-PB e Vila Branca. Por fim, no Grupo C, estavam Atlético-PB, Esporte de Patos, Nacional de Patos e Sousa. Enquanto isso, Botafogo-PB e Treze, como disputavam a Copa do Nordeste, já entravam na fase final do estadual.
Nessa fase, cada equipe se enfrentava em seu grupo em jogos de ida e volta. Ao fim dela, os dois primeiros do Grupo A (América-PB e Santa Cruz-PB), os três primeiros do Grupo B (Campinense, Serrano-PB e Vila Branca) e o líder do Grupo C (Sousa) selavam a vaga no mata-mata. Já o terceiro colocado do Grupo A (Auto Esporte) e o segundo colocado do Grupo C (Atlético-PB) se enfrentariam numa fase de repescagem.
O vencedor da repescagem, realizado em dois jogos, se classificaria para o hexagonal final, junto com Botafogo-PB e Treze, além dos três outros classificados no mata-mata após a fase de grupos, que também era disputado em dois confrontos.
Porém, antes de começar o hexagonal, a primeira fase teria que ser decidida. E foi! Da repescagem, o Atlético-PB se classificou ao derrotar o Auto Esporte, enquanto Campinense, Sousa e Serrano-PB se classificaram ao baterem Santa Cruz-PB, Vila Branca e América-PB, respectivamente.
Nas semifinais, o Campinense eliminou o Atlético-PB (curiosamente em um WO, já que o Trovão não aceitou jogar em João Pessoa), enquanto o Sousa venceu o Serrano-PB. O título ficou com a Raposa, que, por sua vez, despachou o Dinossauro na finalíssima. Contudo, para o hexagonal final, isso não significou uma vantagem. Na nova classificação, tudo começaria do zero.
O hexagonal final era basicamente uma competição em pontos corridos. Cada time jogava 10 vezes, isso em partidas de ida e volta. Ao final da fase, o primeiro colocado ficava com o título. A fase anterior não contava na pontuação para definir o vencedor da edição do estadual, já que Botafogo-PB e Treze ingressaram diretamente na reta final do Paraibano.
As campanhas de Atlético-PB e Campinense no hexagonal final
A reta final do Paraibano 2002 contou com Atlético-PB, Botafogo-PB, Campinense, Serrano-PB, Sousa e Treze. Seis equipes lutando pelo título estadual.
Equipe histórica do Atlético-PB no Campeonato Paraibano 2002 — Foto: Acervo histórico / Museu do Futebol de Cajazeiras |
Para o Atlético-PB, o hexagonal final foi de muita superação. Afinal, na estreia, em Campina Grande, contra o Treze, o Trovão Azul foi goleado por 5 a 1. Na mesma rodada, em Sousa, o Campinense empatou com o Dinossauro em 1 a 1. Tudo mudaria ao longo das jornadas de ambas as equipes. O lado sertanejo brigou pelo título até o fim, enquanto o adversário de Campina Grande teve um desempenho apenas mediano.
O fato é que a Raposa teve uma campanha apenas razoável nessa fase, diferentemente da que tinha protagonizado na primeira metade da competição. Foram 10 jogos disputados pela equipe rubro-negra, com três vitórias, quatro empates e três derrotas. Foram 13 pontos conquistados, que deram à Raposa apenas a quinta colocação.
O jogo... que não aconteceu!
A data era 28 de julho de 2002. Praticamente um mês depois do pentacampeonato do Brasil no Japão e na Coréia do Sul. E, é bom frisar, o Campeonato Paraibano seguiu durante o Mundial daquele ano. A 10ª e última rodada do hexagonal final definiria o campeão estadual. O Atlético-PB era líder, tinha 16 pontos, contra 14 de Botafogo-PB e Treze.
O Estádio Perpetão ficou pequeno para comemorar o título estadual do Atlético-PB — Foto: Joacy Júnior / Atlético de Cajazeiras |
No Perpetão, o Atlético-PB receberia o Campinense, enquanto Treze e Botafogo-PB jogariam no Amigão. Completando a rodada e cumprindo tabela, Sousa e Serrano-PB mediriam forças no Marizão. O Trovão Azul era o único que dependia apenas de si para se consagrar campeão paraibano pela primeira vez.
Na ocasião, o Campinense se via numa situação bem peculiar. Afinal, o time estava em meio a uma fase classificatória da 2ª divisão da Copa do Nordeste do ano seguinte, seletiva essa que seria disputada em Sergipe, contra o Itabaiana. Além do mais, o time poderia ser protagonista numa conquista de um rival. Com isso, muita conversa tomou conta da sociedade, que questionava se a Raposa se deslocaria para Cajazeiras às vésperas de uma competição importante.
Léo Alves hoje é comentarista da Rádio CBN em Campina Grande — Foto: Arquivo pessoal / Léo Alves |
Essa história não sai da memória de Léo Alves, jornalista, pesquisador e professor, que hoje também é comentarista da Rádio CBN em Campina Grande.
– O Campinense tinha um jogo de uma competição regional, uma seletiva para a Copa do Nordeste do ano seguinte. Ou melhor, chamávamos de Nordestão, que era uma divisão inferior. A Raposa não tinha mais chances de ser campeão (paraibano). Quem disputava mesmo era Atlético-PB, Botafogo-PB e Treze, que chegaram com chances de título. Os jogos aconteceriam no dia 28 de julho. Lembro que o Campinense alegou que não tinha logística para se deslocar até Sergipe. Só que o time havia contratado jogadores para disputar essa seletiva regional. Em cima da hora, contratou nomes como Val Pilar, por exemplo. Eu penso que, devido à rivalidade da Raposa com Botafogo-PB e Treze, a delegação não viajou (para Cajazeiras), espantando qualquer chance de seus rivais serem campeões (estaduais) – crava Léo.
Na época, Léo Alves era editor do extinto jornal Diário da Borborema. O pesquisador relata que existia uma dificuldade imensa para fechar a edição daquele jornal do dia 28 de julho. Isso porque já existia um rumor de que o Campinense não iria para Cajazeiras.
– Na época, existia um mistério muito grande sobre se o Campinense iria ou não para o jogo. A diretoria não foi clara, criando um clima pesado. Acho que tinham uns dois ou três jogos emendados pelo regional, além dessa última rodada do Campeonato Paraibano. Foi uma semana tensa! A gente fechava o jornal de domingo na sexta-feira à noite. Poderíamos muito bem publicar uma matéria dizendo que ia ter jogo e, de repente, no sábado, o Campinense avisar que não teria a partida. Esse pronunciamento não houve, deixando todo mundo na expectativa. No fundo, nós sabíamos que não iria ter jogo – completou Léo Alves.
Com a presença de autoridades, o Atlético-PB levanta a taça de campeão paraibano 2002 — Foto: Acervo histórico / Museu do Futebol de Cajazeiras |
O fato é que o domingo, dia 28 de julho, chegou, e os atleticanos, que não tinham nada a ver com isso, viviam a maior expectativa de sua história. O time, enfim, poderia se tornar campeão paraibano pela primeira vez. A cidade estava preparada para uma grande festa, com a presença de autoridades e de duas taças de campeão. Isso mesmo, além do troféu oferecido pela Federação Paraibana de Futebol (FPF), havia um outro, doado pelo prefeito de Cajazeiras na época, Carlos Antônio. Segundo Reudesman, o prêmio, na verdade, fora uma cortesia de Wilson Braga, deputado federal em 2002, que já havia sido governador da Paraíba, e que tinha a sua base eleitoral na região de Cajazeiras.
Contudo, chegou a hora da partida e não cabia mais torcedor nas arquibancadas do Perpetão. Mais de cinco mil pessoas estavam presentes para ver a história ser escrita.
– O jogo era aguardado em clima de festa. Na cidade e na região sertaneja, ninguém acreditava que o Campinense poderia vencer o Atlético-PB. A verdade é que o time era bem mais forte, quase imbatível. Para se entender melhor essa expectativa, o Perpetão chegou às portas por volta das 15h. Isso por ordem da Polícia Militar, porque não cabia mais ninguém. Foram mais de cinco mil pessoas, todas apertadas, em pé, nas cadeiras ou nas arquibancadas - relembra o historiador Reudesman Lopes.
Em meio à euforia, o título foi ficando mais próximo com o passar dos minutos. O Estádio Perpetão fica próximo da rodoviária, mas, naquele dia, o Campinense não chegou. O árbitro não teve outro jeito, teve que encerrar o jogo, que garantiu a conquista atleticana.
Reudesman Lopes, historiador e comentarista esportivo — Foto: Acervo pessoal / Reudeuman Lopes |
– Eu recordo que, a cada ônibus que era avistado, as pessoas gritavam: "Lá vem o Campinense!". Mas a delegação da equipe jamais chegou. O jogo foi encerrado, e a festa começou em Cajazeiras – completou Reudesman.
O título de 2002 era do Atlético de Cajazeiras. O Trovão Azul, que venceu o Campinense por WO, terminou a campanha com 19 pontos, contra 17 do Botafogo-PB, que derrotou o Treze por 2 a 1 na última rodada do hexagonal final. O Galo da Borborema ficou estacionado em terceiro, com 14 pontos. Sousa e Serrano-PB empataram em 2 a 2 naquela última rodada, com o Dinossauro, em quarto, com 13 pontos, enquanto o Lobo da Serra, sexto colocado, somou apenas seis pontos. A quinta colocação ficou com a Raposa, com 13 pontos e um saldo inferior ao Sousa.
Botafogo-PB na justiça! A polêmica que rende até hoje
Após o encerramento da competição, um dos clubes que ficaram atrás do Atlético-PB na tabela de classificação entrou com uma ação na Justiça. Foi o Botafogo-PB, vice-campeão estadual, que apresentou uma denúncia no Tribunal de Justiça Desportiva de Futebol da Paraíba (TJDF-PB) de uma suposta escalação irregular de um goleiro atleticano no hexagonal final. Alonso não chegou a atuar naquela disputa, mas, de fato, foi inscrito na competição, mesmo com contrato irregular.
Botafogo-PB teve ganho de causa na ação no STJD, mas jamais foi reconhecido como campeão paraibano daquele ano de 2002 — Foto: Vitor Oliveira / GloboEsporte.com |
Após a instância estadual, o Belo ingressou no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). Foi na instância máxima da justiça desportiva brasileira que o clube de João Pessoa obteve ganho de causa, conseguindo que o Atlético-PB perdesse pontos e herdando a conquista do Paraibano 2002.
Apesar do ganho de causa, a FPF, na época, comandada por Rosilene Gomes, jamais proclamou o Botafogo-PB campeão. A polêmica prosseguiu no mandato de Amadeu Rodrigues e persiste até hoje, com Michelle Ramalho como mandatária da entidade.
O Belo segue buscando o reconhecimento dessa conquista. O clube, inclusive, contabiliza 31 títulos estaduais, diferentemente do que pensa a FPF, que proclama o Botafogo-PB como campeão da Paraíba em 30 oportunidades. A polêmica segue viva.
Rosilene Gomes comandou a FPF por 25 anos — Foto: Cadu Vieira / GloboEsporte.com/pb |
Para Reudesman, nenhum time do Trio de Ferro paraibano era capaz de tirar aquele título do Atlético-PB dentro de campo. Segundo o historiador, a polêmica só persistiu porque um clube sertanejo foi o vencedor, encerrando a sequência de dois anos com o Treze campeão e também evitando que Campinense ou Botafogo-PB fossem campeões.
– Com relação à polêmica, eu entendo que sempre foi e será muito difícil uma equipe do eixo de Campina Grande, Treze e Campinense, e principalmente o Botafogo-PB, que é de João Pessoa, aceitar que um time de fora possa ser campeão do estado – disse o cajazeirense.
A história é longa, antiga, mas a cada ano, principalmente quando o Botafogo-PB conquista o Campeonato Paraibano, precisa ser relembrada. Esse é apenas um capítulo de uma edição mal resolvida na Paraíba. Afinal, outras histórias polêmicas costumam cercar o futebol do estado, que está na sua 110ª edição da elite.
Globo Esporte PB